[642 coisas] 130 - No ritmo da chuva (Divagações poéticas)

Hoje trouxe um texto poético de minha autoria. Espero que gostem! Para escrever o texto, usei o tema 130 sugerido pelo grupo "642 coisas sobre as quais escrever" (detalhes sobre o grupo no final do post). O tema é sobre perder a memória.

Imagem do Google


Ela não tem nome, rosto ou passado... O tempo levou temporariamente tudo o que ela tinha.    Por semanas? Por meses? Ela não sabia dizer, apenas sentia que não pertencia a si mesma. Quem era ela, afinal? Havia perdido a memória.  Ali sozinha, apenas fecha os olhos... Vendavais a abraçam, borboletas multicoloridas respiram sem parar em suas costas. O que elas estão fazendo? Absorvendo os seus pensamentos mais secretos, transpirando em seus poros... Quais seriam os seus pensamentos de outrora? E o som de sua respiração antiga, como era? Tenta relembrar toda a sua vida, mas é em vão. E divaga  lentamente,  estala os dedos no ritmo da chuva que começa a pingar... e deixa aquela  água pura desalinhar o seu penteado, o seu rosto, o seu corpo, a sua alma... Sem os fantasmas do passado, ela tem apenas o presente ali na sua frente. É hora de sentir a magnitude disso... E o futuro? É uma incógnita assim como é o seu passado.

A chuva começa a engrossar e o temporal se faz presente, tão imponente! O  corpo dela é um leve sussurrar de emoções puras... Nada tem a lembrar, apenas a sentir. Borboletas sentem o frescor de sua alma e dormem em seus cabelos perfumados. Não sente frio, apesar do vendaval. Não sente o impacto do temporal, apenas sente como se fosse uma chuva fina  que a revigora, batizando-a; uma água dos céus que a acalenta,  amando-a. Não sente fome, apesar da sinfonia ensurdecedora que invade o seu estômago vazio. Não comia há dias... O que comeu pela última vez? Pouco importava, nem memória ela tinha. Não sente medo, apesar dos temores do passado que deveriam estar ali escondidos na acidez de seu âmago, mas se ela não se lembra deles, não faz  diferença alguma. Não abre os olhos, apesar do desejo de ver as estrelas que agora estão invisíveis. Prefere cerrar os olhos e sentir a maciez do seu pensamento sórdido. Sim, agora ela pode pensar em tudo e em nada... Ela é tudo, ela é nada. Quem é ela, afinal?

Água em abundância infinita num temporal supremo... estrelas transparentes na imensidão do céu negro e molhado... Temores e tremores internos que a fazem sussurrar em etapas epifânicas... Borboletas que enfeitam os seus cabelos e a sua alma... Vendavais suspensos no ar, divagando junto com ela... Ainda de olhos fechados, ela desenha todas essas frases no ar de si mesma, tenta absorver tudo e ao mesmo tempo não absorve nada. Às vezes fica confusa, aliás ela está confusa: sem nome, sem documento, sem horizontes para trilhar... Com quem trilhar? Aonde ir? O que vai fazer? Não sabe, apenas respira fundo aquele silêncio que o presente divino está lhe proporcionando. Ah, Presente, é só com ele que ela pode contar, o seu único e melhor amigo agora. Qual é a sensação de não ter um Passado? Pergunte a ela.

Bêbada pela água que despencou do céu, ali ela está, perdida em suas divagações, mas tão plena em seu corpo e em seus delírios! Jorrando lágrimas azuis pelos olhos extasiados, ela inventa mil personagens para si mesma, talvez isso lhe dê algum conforto, já que os indícios do passado não vem  à tona nas margens de sua memória. Talvez isso nunca aconteça, como saber? Em pensamentos, ela galga rumo às estrelas que agora não são mais transparentes, nem desconhecidas. Elas piscam, elas vibram, elas chamam pelo nome dela. Ei, um nome dado pelas estrelas? "Que honra", dizia ela para si mesma como um mantra sagrado que a presenteia com uma pincelada no rosto, com um nome fabuloso e com um novo passado a partir dali que ela certamente vai se lembrar... Ah, amanhã ela teria doces recordações dessa cena  amiga, e  muitos sorrisos despencariam de seus lábios só de pensar num  ontem vivenciado por ela e compartilhado com as borboletas de mil cores em seus cabelos, num enlace singular entre ela e a chuva,  espetáculos sensoriais que os vendavais fazem questão de selar com uma música tão vigorosa! As  estrelas aplaudem tudo isso, felizes por  presenciar a  nova Estrela resplandecendo em pleno temporal, deixando para trás a face sem contornos, o nome que havia esquecido e os fantasmas de um passado enrugado e engavetado.  

E vestida de borboletas que se colaram nela, a nova Estrela escorrega, rola, dança, levanta, sensualiza, vibra e canta. Trêmula, seu corpo pede bis.  Mas o cansaço a faz adormecer na grama encharcada com o tempero agridoce dos vendavais insanos... Então ela dorme  nua...  as roupas que a deprimem se perdem no espaço, dando lugar a um corpo  renovado. E assim, nua e sonhando,  assiste  ao espetáculo de uma noite estupenda na tela de sua própria mente. 


Agora, se quiserem, releiam o texto ouvindo o som da chuva. É relaxante e diferente! 




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O projeto "642 coisas sobre as quais escrever" consiste em apresentar uma infinidade de temas para os amantes da escrita se aventurarem em seus textos, saindo de sua zona de conforto, pois terão que usar a criatividade em seus textos com temas que até então nunca haviam cogitado. Um desafio e tanto! Se quiser ler o tumblr do projeto clique aqui.

Namastê!


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